13 de mar. de 2011

Da importância da mulher esquentar a barriga no fogão e esfriar no tanque

POR EM 11/03/2011 ÀS 04:21 PM

publicado em

Mulher no volante, perigo constante. O provérbio é antiquado e irrita, com toda razão, o mulheril. Há poucos dias, presenciei um abalroamento macarrônico no trânsito infernal da cidade. Alertada pela luz amarela do semáforo, uma jovem motorista meteu o pé no freio (acertadamente, embora dirigisse calçando um sapato de salto 15, não recomendável) e seu carro foi atingido na traseira por outro, cujo condutor teve o impulso contrário (erroneamente), ou seja, acelerou a máquina mortífera para escapar do sinal vermelho.

Ora, vejamos: todo mundo sabe que a luz amarela significa “atenção, reduza a velocidade, pois o sinal vermelho vem aí”. Quase todo mundo. A cada dia, cresce o número de cretinos ao volante. Só pra exemplificar, a legislação do Conselho Nacional de Trânsito manda que os novatos sejam submetidos a vinte aulas de volante (treinamento prático), além do curso teórico, antes de retirarem as CNH.

Na prática, muitas autoescolas ignoram a lei ao fazerem “pacotes promocionais” (que é para baratear pro aluno e driblar a concorrência), ministrando poucas aulas para “pessoas com alguma experiência prévia ao volante” (será que os candidatos conseguiram esta experiência prévia ao volante brincando em vídeo games e autoramas ou dirigindo sem habilitação?!). Juntando a inexperiência dos motoristas emancipados (ambos os sexos) com a epidemia de motos e automóveis que empapuçam as ruas (fruto de incentivos governamentais duvidosos, aliada à falta de investimento no transporte coletivo), surge o monstro chamado trânsito caótico, que tem infernizado o dia-a-dia dos cidadãos urbanofílicos.

Voltando ao acidente heterossexual a que me referia no início, o sujeito ficou mesmo muito irritado com a mocinha que não parava de chorar, mesmo que ninguém houvesse se ferido. “Apenas danos materiais” e algum desarranjo emocional extremamente fugaz. Cego pela raiva, ciente do inusitado prejuízo financeiro (afinal, ele teria que pagar o conserto dos dois veículos), o rapaz perguntou à algoz (é assim mesmo que as pessoas se sentem no trânsito: algozes umas das outras) por que é que ela “não largava mão de dirigir um carro pra esquentar a barriga num fogão e esfriá-la no tanque”.

A provocação (apelação), como já era de se esperar, piorou as coisas, e a imatura motorista desidratou-se ainda mais em lágrimas. “Por que não usa a habilitação pra dirigir um fogão de quatro bocas, minha filha?”, ele insistia nos “insultos mobiliários”, totalmente desarrazoado, deixando indignada a multidão feminina que assistia ao espetáculo burlesco. Os homens, criaturas imprestáveis como as baratas, quase se urinavam de tanto rir. Eu mesmo, confesso, após me certificar que ninguém se ferira, ri pra dentro, ruborizando as orelhas, prendendo o fôlego, disfarçando a gargalhada após tamanhos impropérios.

Hoje, dia em que escrevo este texto, é quarta-feira de cinzas. Se bem me lembro, nos últimos anos, não tem um só carnaval que passe em branco, sem que eu saiba de alguma pessoa próxima que tenha morrido ou esteja hospitalizada, por causa de acidentes de trânsito, principalmente em rodovias. Já se sabe que neste ano, a incidência de feridos e vítimas fatais aumentou em relação ao ano passado. As estatísticas sempre saem às quartas-feiras de cinza, depois da apuração das Escolas de Samba do Grupo A do Rio de Janeiro. A vida é assim, estranha: uns comemoram, outros gemem de dor, e muitos enterram mortos da guerra no trânsito.

Mais uma vez, o sofrimento besta é resultante da miscelânea de fatores, uma receita truanesca cujos ingredientes são bem conhecidos: motorista inadequado (bêbado, drogado, inexperiente ou burro), estrada inadequada (sem sinalização, sem acostamento, com asfalto fajuto superfaturado, com enxame de buracos), fiscalização inadequada (número insuficiente de policiais rodoviários, falta de radares, ausência de balanças para caminhões, propinas nojentas), frota inadequada (latas velhas que não merecem ser chamadas de automóveis, caminhões com peso da carga muito acima do permitido, ônibus clandestinos, pneus clandestinos, freios clandestinos, gambiarras clandestinas), governante inadequado (gestores incompetentes, descompromissados, corruptos e negligentes; não necessariamente nesta ordem).

Depois de queimarem sutiãs em praça pública, controlarem a própria fertilidade com pílulas anticoncepcionais, conquistarem o orgasmo (artigo de exclusividade machista até bem pouco tempo), e assumirem com apetite de pedreiro sua fatia no mercado de trabalho, eu aceitaria, sim, uma carona num carro pilotado por uma mulher, com uma única ressalva: depois daqueles dias de TPM.

Brincadeirinha, meninas...


Um comentário:

  1. EBERTH VÊNCIO, bom dia!

    Pela primeira vez leio algo de sua autoria, você escreve bem, mas sua nota "assumirem com apetite de pedreiro sua fatia no mercado de trabalho, eu aceitaria, sim, uma carona num carro pilotado por uma mulher, com uma única ressalva: depois daqueles dias de TPM." é de efeito infimamente libertador, sua crônica deu ênfase demasiadamente à cultura etnocentrista do universo masculino e o pior, o endossou quando afirma, mesmo que de brincadeira - humor pejorativo - todas as mazelas subjetivas dissimuladamente interiorizada pela Ψυχή, Psychē da mulher.

    Creio que pelo menos no dia simbólico da Mulher, haveria uma releitura mais consciente da consciência social e individual que nos coabitam.

    Visite meus singelos escritos sobre os mecanismos conscientes do ser humano por meio de viés poéticos e pedagógicos nos blog´s:

    http://mecanismodavidaconsciente.blogspot.com/

    http://apedagogiaentreodizereofazer.blogspot.com/

    http://www.myspace.com/mineirim_das_gerais
    Abraços fraternos,
    Wellington Bernardino Parreiras

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